Casa
de Vó
Eu
sou completamente apaixonada pelo campo, o cheiro do mato, o som sossegado dos
pássaros e do vento acalma minha alma. Isto sem falar na simplicidade e bondade
e generosidade que muitos habitantes destes lugares isolados possuem.
Já
visitei casinhas tão pequenas que nos obrigava a ficarmos o mais próximo
possível um do outro (talvez este seja um dos ingredientes do amor, hoje em dia
possuímos casas cada vez maiores com pessoas cada vez mais infelizes e
distantes emocionalmente). Casinhas de pau a pique que possuíam o mínimo de mobília
e o máximo de amor, pois tudo era cuidadosamente limpo e organizado.
Casinhas
de barro com muitas flores na passarela, uma velha árvore fazendo sombra pra um
cão vira-lata descansar, um luxo só! Sim! Eu falei LUXO porque seus moradores
possuem valores e sentimentos que nos dias de hoje são preciosos e raros, é um
LUXO enxergar na simplicidade a verdadeira felicidade e ter a coragem de vivencia-la
em sua plenitude!
Eu
tive a imensa felicidade de conhecer esse mundo simples e feliz nas inúmeras
férias que passei na casa dos meus avós maternos. Eles eram moradores de um
sítio numa cidade que fica a 120 km de onde moro e desde muito pequena eu ia
frequentemente para lá com minha mãe. Aos cinco anos de idade fiz minha
primeira viagem sozinha, lembro que minha mãe combinou o horário exato para que
meu avô fosse me pegar na cidade e recomendou ao motorista que não me deixasse
descer antes!
Lembro-me
vagamente da viagem em sim, talvez porque era muito pequena, talvez porque
estivesse amedrontada demais para apreciar a paisagem. Eu ficava com medo de me
perder, mas o desejo de ficar no sítio com meus avós era muito maior que todos
os meus medos! (Sinto saudades dessa parte de mim que colocava os sonhos acima
dos medos!).
No
horário exato meu avô estava lá, me esperando para irmos para o sítio. Neste
dia fomos até a estrada mais próxima de carona numa caminhonete e de lá
caminhamos cerca de cinquenta minutos até a grande casa branca onde minha avó
estava na janela esperando ( e reclamando por eu ter levado tanto sol e ter
caminhado tanto a pé, ela se preocupava e reclamava, mas meu avô dizia: “A
menina quis vir Nâna!”. E ela olhava pra mim e sorria, pela felicidade de saber
que eu a amava e que queria estar ali com eles!
Éramos
nós três num sitio distante e sem vizinhos próximos, mas eu amava tudo aquilo!
Meus pais, meus amigos e até mesmo meus avós nunca entenderam o porquê de tanto
amor por essas viagens, mas foram todas as férias que passei lá que me deixaram
as mais preciosas lembranças e ensinamentos que tenho guardado até hoje.
Aprendi
com meu avô que o trabalho feito com amor sustenta o homem física e
espiritualmente, ele hoje possui noventa e quatro anos e se mantém trabalhando
na roça. Ele é lúcido, saudável e feliz.
Aprendi
com minha avó que há valores espirituais que vão além do que enxergamos. Muito de minha fé eu devo a ela, por todas as
vezes que me deu a oportunidade de conhecer a magia que é viver.
As
longas caminhadas que fizemos ao amanhecer ou nas noites de lua cheia para
visitar os vizinhos me mostravam uma beleza que passeio a shopping nenhum se
iguala em beleza e encanto. Andávamos por trilhas estreitas dentro da mata
fechada e tudo era encanto. Quando chegávamos na casa dos vizinhos, erámos
recebidos com imensa alegria e a pobreza se fazia riqueza pelo amor que havia
envolvido. Tudo era simples, tudo era puro amor.
Tomei
muito café com bolachas, acho que foi daí que surgiu o meu vício por este
liquido!
As
velhinhas benzedeiras que eram amigas de minha avó e a ida a cidade para fazer
feira do meu avô é inesquecível, ele montado em seu jumentinho com mil
recomendações de minha avó para que trouxesse guloseimas para mim e para que
voltasse cedo.
Também
não esqueço as manhãs que passei seguindo meu avô pelo roçado, ele cavava o
buraco e eu jogava as sementes dentro. E minha avó reclamando da janela, que eu
ia ficar queimada de tanto levar sol e que minha mãe iria brigar quando me
visse daquele jeito! E meu avô novamente dizia: “A menina quis vir Nâna!”.
Enfim,
são muitas lembranças e elas jamais serão apagadas, mesmo que derrubem a casa
que serviu de palco para essa parte tão bela de minha vida.
Há
alguns dias voltei ao antigo sítio, nada era como antes...
Minha
avó faleceu, meu avô foi morar com meu tio (onde é tratado com amor e respeito)
e casa será derrubada para que no lugar seja construída uma casa nos padrões
modernos de um arquiteto renomado (foi isso que uma das herdeiras do sitio me
informou, quando pedi a chave da casa para rever o que estava na memória),
confesso que na hora eu senti um ódio tão grande daquela mulher que dizia que
iria derrubar a casa que meus avós moraram por tanto tempo, mas depois em
percebi que mesmo ela derrubando a parte material, o mais importante sempre irá
existir, porque eu vivi, amei e agora estou repassando para vocês, porque uma
forma de eternizar o que se viveu, é compartilhando!
Que
a grande casa com sala de estar, jantar, dois quartos, banheiro, duas cozinhas,
uma dispensa e um grande fogão a lenha seja sempre lembrada! Que a grande casa
com um terraço amplo e um grande banco de cimento, seja sempre lembrada!
Luciene
Linhares
24
de Fevereiro de 2016