quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Casa de Vó



Casa de Vó
Eu sou completamente apaixonada pelo campo, o cheiro do mato, o som sossegado dos pássaros e do vento acalma minha alma. Isto sem falar na simplicidade e bondade e generosidade que muitos habitantes destes lugares isolados possuem.
Já visitei casinhas tão pequenas que nos obrigava a ficarmos o mais próximo possível um do outro (talvez este seja um dos ingredientes do amor, hoje em dia possuímos casas cada vez maiores com pessoas cada vez mais infelizes e distantes emocionalmente). Casinhas de pau a pique que possuíam o mínimo de mobília e o máximo de amor, pois tudo era cuidadosamente limpo e organizado.
Casinhas de barro com muitas flores na passarela, uma velha árvore fazendo sombra pra um cão vira-lata descansar, um luxo só! Sim! Eu falei LUXO porque seus moradores possuem valores e sentimentos que nos dias de hoje são preciosos e raros, é um LUXO enxergar na simplicidade a verdadeira felicidade e ter a coragem de vivencia-la em sua plenitude!
Eu tive a imensa felicidade de conhecer esse mundo simples e feliz nas inúmeras férias que passei na casa dos meus avós maternos. Eles eram moradores de um sítio numa cidade que fica a 120 km de onde moro e desde muito pequena eu ia frequentemente para lá com minha mãe. Aos cinco anos de idade fiz minha primeira viagem sozinha, lembro que minha mãe combinou o horário exato para que meu avô fosse me pegar na cidade e recomendou ao motorista que não me deixasse descer antes!
Lembro-me vagamente da viagem em sim, talvez porque era muito pequena, talvez porque estivesse amedrontada demais para apreciar a paisagem. Eu ficava com medo de me perder, mas o desejo de ficar no sítio com meus avós era muito maior que todos os meus medos! (Sinto saudades dessa parte de mim que colocava os sonhos acima dos medos!).
No horário exato meu avô estava lá, me esperando para irmos para o sítio. Neste dia fomos até a estrada mais próxima de carona numa caminhonete e de lá caminhamos cerca de cinquenta minutos até a grande casa branca onde minha avó estava na janela esperando ( e reclamando por eu ter levado tanto sol e ter caminhado tanto a pé, ela se preocupava e reclamava, mas meu avô dizia: “A menina quis vir Nâna!”. E ela olhava pra mim e sorria, pela felicidade de saber que eu a amava e que queria estar ali com eles!
Éramos nós três num sitio distante e sem vizinhos próximos, mas eu amava tudo aquilo! Meus pais, meus amigos e até mesmo meus avós nunca entenderam o porquê de tanto amor por essas viagens, mas foram todas as férias que passei lá que me deixaram as mais preciosas lembranças e ensinamentos que tenho guardado até hoje.
Aprendi com meu avô que o trabalho feito com amor sustenta o homem física e espiritualmente, ele hoje possui noventa e quatro anos e se mantém trabalhando na roça. Ele é lúcido, saudável e feliz.
Aprendi com minha avó que há valores espirituais que vão além do que enxergamos.  Muito de minha fé eu devo a ela, por todas as vezes que me deu a oportunidade de conhecer a magia que é viver.
As longas caminhadas que fizemos ao amanhecer ou nas noites de lua cheia para visitar os vizinhos me mostravam uma beleza que passeio a shopping nenhum se iguala em beleza e encanto. Andávamos por trilhas estreitas dentro da mata fechada e tudo era encanto. Quando chegávamos na casa dos vizinhos, erámos recebidos com imensa alegria e a pobreza se fazia riqueza pelo amor que havia envolvido. Tudo era simples, tudo era puro amor.
Tomei muito café com bolachas, acho que foi daí que surgiu o meu vício por este liquido!
As velhinhas benzedeiras que eram amigas de minha avó e a ida a cidade para fazer feira do meu avô é inesquecível, ele montado em seu jumentinho com mil recomendações de minha avó para que trouxesse guloseimas para mim e para que voltasse cedo.
Também não esqueço as manhãs que passei seguindo meu avô pelo roçado, ele cavava o buraco e eu jogava as sementes dentro. E minha avó reclamando da janela, que eu ia ficar queimada de tanto levar sol e que minha mãe iria brigar quando me visse daquele jeito! E meu avô novamente dizia: “A menina quis vir Nâna!”.
Enfim, são muitas lembranças e elas jamais serão apagadas, mesmo que derrubem a casa que serviu de palco para essa parte tão bela de minha vida.
Há alguns dias voltei ao antigo sítio, nada era como antes...
Minha avó faleceu, meu avô foi morar com meu tio (onde é tratado com amor e respeito) e casa será derrubada para que no lugar seja construída uma casa nos padrões modernos de um arquiteto renomado (foi isso que uma das herdeiras do sitio me informou, quando pedi a chave da casa para rever o que estava na memória), confesso que na hora eu senti um ódio tão grande daquela mulher que dizia que iria derrubar a casa que meus avós moraram por tanto tempo, mas depois em percebi que mesmo ela derrubando a parte material, o mais importante sempre irá existir, porque eu vivi, amei e agora estou repassando para vocês, porque uma forma de eternizar o que se viveu, é compartilhando!
Que a grande casa com sala de estar, jantar, dois quartos, banheiro, duas cozinhas, uma dispensa e um grande fogão a lenha seja sempre lembrada! Que a grande casa com um terraço amplo e um grande banco de cimento, seja sempre lembrada!
Luciene Linhares

24 de Fevereiro de 2016