Eu
te amo um dia foi amor...
Na
casa de minha mãe há uma geladeira com mais de trinta anos ainda funcionando e
inteirona. Por insistência de toda família, exceto de meu pai, que tem um carinho
todo especial pelo objeto, foi comprada outra geladeira, mas a antiga ainda
mantém seu lugarzinho, num cantinho da cozinha.
Eu
cresci ouvindo meu pai falar que os objetos fabricados hoje em dia são
totalmente projetados para serem frágeis e descartáveis, garantindo assim, a
sua constante substituição. Ele reforçava seus discursos anti-consumismo
batendo na lataria da velha geladeira com orgulho.
Assim
como em tantas outras teses que ele brilhantemente defende nas barulhentas
reuniões de família, a fragilidade para alimentar o consumismo citada por ele
em pró da velha geladeira tem se mostrado bem real, compramos um eletro e em pouquíssimo
tempo ele se deteriora ou nós deterioramos o seu valor real, trocando-o por um
modelo novo.
Meu
pai é um homem de pouca instrução, pois como muitos brasileiros, teve que
trabalhar duro para manter a nossa família, deixando de lado os estudos. Mas,
sua capacidade de observação, inteligência e coragem o tornaram o “Xamã dos
eletros”. Quando ele era jovem, fez um curso de elétrica básica por
correspondência, é meu caro, por correspondência, e a partir daí, fazia
pequenos consertos para todos os membros da família. Isto sem falar em todos os
protótipos mirabolantes por ele criados, como o triturador de milho que ele fez
a partir de uma furadeira velha.
Sim,
o velho é um danado! E além de “Xamã dos eletros” o velho é um orador
carismático, quando está empenhado na defesa de seus argumentos discursivos,
ele fica andando de um canto a outro com os braços estendidos e as mãos
formando um “L”, meu cunhado brinca dizendo que ele parece estar segurando uma
caixa mágica.
A
tese de meu pai com relação a fragilidade e descarte sem consciência não se
limita apenas aos eletros, infelizmente ela tem se estendido cada vez mais para
uma área bem mais preciosa, que é a das relações e dos sentimentos.
“Eu
te amo”, parece ter substituído o cumprimento “Bom dia”, porque as pessoas o
proferem com tanta frequência e tão pouca utilidade, e ainda tem o “Você é a
minha vida”, este parece ter se tornado um slogam publicitário para levar você
para a cama.
Sem
falar no “Só existe você na minha vida...”. Ah! Esta frase geralmente esconde
nas letrinhas minúsculas que a ignorância não nos permite enxergar o seu
complemento que é: ”NESTE MOMENTO”.
Meu
pai, minha mãe e sua geladeira estão juntos há 40 anos e possuem uma bela
história, onde as coisas e os sentimentos eram mais verdadeiros e duradouros.
Conversa
de Passarinho
25 de Agosto de 2012