sábado, 25 de agosto de 2012

Eu te amo um dia foi amor...


 
 
Eu te amo um dia foi amor...


Na casa de minha mãe há uma geladeira com mais de trinta anos ainda funcionando e inteirona. Por insistência de toda família, exceto de meu pai, que tem um carinho todo especial pelo objeto, foi comprada outra geladeira, mas a antiga ainda mantém seu lugarzinho, num cantinho da cozinha.
Eu cresci ouvindo meu pai falar que os objetos fabricados hoje em dia são totalmente projetados para serem frágeis e descartáveis, garantindo assim, a sua constante substituição. Ele reforçava seus discursos anti-consumismo batendo na lataria da velha geladeira com orgulho.
Assim como em tantas outras teses que ele brilhantemente defende nas barulhentas reuniões de família, a fragilidade para alimentar o consumismo citada por ele em pró da velha geladeira tem se mostrado bem real, compramos um eletro e em pouquíssimo tempo ele se deteriora ou nós deterioramos o seu valor real, trocando-o por um modelo novo.
Meu pai é um homem de pouca instrução, pois como muitos brasileiros, teve que trabalhar duro para manter a nossa família, deixando de lado os estudos. Mas, sua capacidade de observação, inteligência e coragem o tornaram o “Xamã dos eletros”. Quando ele era jovem, fez um curso de elétrica básica por correspondência, é meu caro, por correspondência, e a partir daí, fazia pequenos consertos para todos os membros da família. Isto sem falar em todos os protótipos mirabolantes por ele criados, como o triturador de milho que ele fez a partir de uma furadeira velha.
Sim, o velho é um danado! E além de “Xamã dos eletros” o velho é um orador carismático, quando está empenhado na defesa de seus argumentos discursivos, ele fica andando de um canto a outro com os braços estendidos e as mãos formando um “L”, meu cunhado brinca dizendo que ele parece estar segurando uma caixa mágica.
A tese de meu pai com relação a fragilidade e descarte sem consciência não se limita apenas aos eletros, infelizmente ela tem se estendido cada vez mais para uma área bem mais preciosa, que é a das relações e dos sentimentos.
“Eu te amo”, parece ter substituído o cumprimento “Bom dia”, porque as pessoas o proferem com tanta frequência e tão pouca utilidade, e ainda tem o “Você é a minha vida”, este parece ter se tornado um slogam publicitário para levar você para a cama.
Sem falar no “Só existe você na minha vida...”. Ah! Esta frase geralmente esconde nas letrinhas minúsculas que a ignorância não nos permite enxergar o seu complemento que é: ”NESTE MOMENTO”.
Meu pai, minha mãe e sua geladeira estão juntos há 40 anos e possuem uma bela história, onde as coisas e os sentimentos eram mais verdadeiros e duradouros.  

Conversa de Passarinho
25 de Agosto de 2012